Considerado um dos deputados mais atuantes do Pará, reeleito para o quarto mandato e reintegrado à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa, Carlos Bordalo (PT) concedeu entrevista exclusiva ao nosso portal Rede Pará. O bate-papo, com a jornalista Benigna Soares, vai da atuação política do PT no Pará e suas relações com a base aliada, aos preparativos para as eleições de 2022, para o Governo do Estado. Bordalo fala de sua participação em diversas CPIs, em especial, sobre o andamento das investigações da CPI da Vale. Também comenta a importância da Lei Kandir e a relação conturbada entre usuários e os planos de saúde, situação que se agravou na pandemia de Covid-19.
Benigna Soares: Deputado, já estamos há mais de seis meses do início dos mandatos para o executivo municipal, como o senhor avalia o desempenho dos que foram eleitos pelo PT ou a partir das bases aliadas?
Dep. Carlos Bordalo: Avalio positivamente, diante de um quadro terrível da ruptura dos padrões federativos brasileiro, com o governo Bolsonaro. Evidentemente que o nível de criatividade e capacidade de mobilização, de forças e energias locais exige cada vez mais da gestão. Então, eu avalio que os nossos prefeitos de Igarapé-Miri e de Concórdia do Pará têm conseguido manter os serviços públicos funcionando, o que já é um avanço em tempo de crise federativa como esta. Outro ponto é que em Concórdia do Pará, por exemplo, onde nós estamos já no segundo mandato consecutivo, os programas estão seguindo em frente e nós podemos ter uma avaliação positiva da gestão, graças a Deus.
Benigna Soares: Qual era a situação desses municípios, deputado?
Dep. Carlos Bordalo: Igarapé-Miri é um município que nós recebemos destruído. É impressionante que as gestões petistas costumam ser as que mais realizam a curto prazo, mas a dívida social estrutural é tanta que é insuficiente. A principal referência de gestão da esquerda no Pará, que o PT faz parte, é Belém, que emprestou apoio ao então candidato Edmilson Rodrigues e indicou o vice, professor Edilson Moura. Nós recebemos a cidade de Belém com um passivo monumental, uma dívida brutal. Na área de saneamento, por exemplo, com muitos anos sem se realizar pelo menos um trabalho consistente de limpeza de canais, de bueiros, de cuidados com a drenagem da cidade e alagamentos. Nós estamos reorganizando a gestão pública destroçada em 16 anos e principalmente nos últimos oito anos que antecede o governo popular.
Benigna Soares: Por falar em Belém, a capital paraense avançou em gestão e políticas públicas, nesse primeiro semestre, especialmente na área da saúde?
Dep. Carlos Bordalo: Sim. Nós tivemos um comportamento muito diferente da gestão anterior em relação à pandemia, não é? Primeiro, intensificando a chamada atenção básica para ter uma saúde preventiva que evite a pressão sobre os hospitais. Segundo, a vacinação corre e Belém é uma das capitais que mais vacinou no país. Você vê o cuidado e a preocupação do prefeito. Junto ao Governo do Estado, vamos implementar o projeto do terceiro pronto socorro da capital, que atenderá toda a população do Benguí, Tapanã e Icoaraci.
É bom lembrar que também foi um governo petista que fez o segundo pronto socorro de Belém e agora estamos fazendo PSS (Processo Simplificado Seletivo) para a saúde e para a educação. Então, a minha avaliação é que mesmo com a terrível realidade que recebemos de uma gestão pública destroçada e endividada, os nossos gestores têm mostrado competência, capacidade e resiliência para dar um novo sentido para a cidade.
Benigna Soares: Sobre a CPI da Vale, o que o senhor pode apontar de mais relevante nas investigações?
Dep. Carlos Bordalo: Olha, eu acho que mais relevante até aqui é constatar que de 2010 a 2011, a Vale tomou uma decisão que foi fundamental, porque desta decisão dependia se o modelo minerário paraense evoluiria também para um nível de maior internalização de benefícios e de impulsos econômicos com a verticalização da produção minerária. À época, o governo de Ana Júlia, do PT, chegou a fazer doação de terreno para a Vale do Rio Doce, para Vale S.A., quer dizer, para instalar a Alpa (Aços Laminados do Pará), em Marabá.
De uma forma inexplicável e sem o povo paraense tomar conhecimento, a Vale S.A. fez uma joint venture, ou seja, uma associação com capitais de duas empresas coreanas e instalou uma siderúrgica no porto de Pecém, Ceará, que deveria ter sido instalada em Marabá. Estima-se que hoje ele empregue diretamente 7.000 pessoas. Só no primeiro ano de funcionamento internalizou na economia cearense perto de 15 bilhões de reais. Perguntei para um diretor da Vale, que esteve na CPI, quais as razões que levaram a empresa a instalar siderúrgica no Ceará e não no Pará, considerando que o ferro que ela transforma lá é paraense e a energia que é usada também é paraense. Tudo isso mostra mais uma vez que a relação dela com o Pará é predatória, pois na hora que é para devolver ao Pará algo que fique no Pará como um legado estrutural e permanente, ela resolve ir para o Ceará.
Benigna Soares: Há outras questões sendo discutidas além disso?
Dep. Carlos Bordalo: Também queremos aprofundar o que acontece com o cobre concentrado que a Vale tira daqui. A Salobo, em Marabá, alcançou 100 mil toneladas/ano de extração e de venda para fora. Ocorre que ao vender o cobre, a Vale vende o mineral concentrado para uma subsidiária da própria empresa, a Vale Internacional, que vende cobre e ouro para a Suíça, por exemplo. Então, nós vamos querer aprofundar agora se há prejuízos, se há sonegação e também saber se aquilo que a Vale S.A. paga pelo que ela tira do Pará é adequado ou se vamos precisar recriar alguns mecanismos de maior cobrança e internalização de recurso para o desenvolvimento do Pará.
A prioridade dessa CPI não é o aspecto mais ambiental, não é o aspecto mais de segurança de barragens, porque a nossa avaliação é que nós já temos elementos suficientes para avaliar isso, estamos avaliando também, mas depois da tragédia de Brumadinho que nós verificamos na nossa diligência é que a própria Vale evoluiu. Se ela tivesse feito o que ela faz hoje não teria acontecido Brumadinho com as perdas humanas que houveram, mas ela só tomou as providências depois da tragédia de Brumadinho.
Hoje eu acho que não é possível ter um acontecimento como aquele sem que, com pelo menos duas, três semanas, seja avisado que vai ocorrer, porque agora tem aquele sensor em todas as barragens ligadas a um sistema que capta online se a barragem começa a tremer, isso vai ser imediatamente, o que não acontecia e por isso houve a tragédia de Brumadinho. Nossa prioridade é o tributário, é a questão econômica, é o problema da relação econômica da Vale com o Pará.
Benigna Soares: Em relação a isso, qual a importância para o seu mandato e para o PT integrar uma CPI que investiga a Vale?
Dep. Carlos Bordalo: Olha, o PT ele tem uma história e um ideário de ser um projeto de sociedade muito além de uma sigla e estar numa CPI da Vale que trata de uma questão fundamental para este estágio civilizatório que sonhamos é fundamental, é uma obrigação. Há pelo menos dois mandatos temos nos dedicado à questão mineral do estado. Foi nosso mandato também que deu um forte impulso pra CPI que investigou o episódio de vazamento das barragens em Barcarena, com os impactos sociais e impacto de saúde na população.
Também nos envolvemos com a construção de proposta de reparação, por exemplo, para populações atingidas pela questão de hidrelétricas e, agora, aprofundando um protocolo que será apresentado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, com um conjunto de recomendações para garantia de medidas protetivas para as populações que poderão ser atingidas, e não discutir reparação só depois. Nosso mandato também propôs a emenda que nos orgulha e que está no arcabouço jurídico do Estado, que obriga qualquer projeto econômico a ser realizado no Pará, que tenha impacto sobre as populações próximas e que poderão ser atingidas por ele, que seja observada a realização da consulta livre prévia informada conforme o protocolo da OIT.
Benigna Soares: O senhor integrou a Comissão Especial de Estudos sobre a Lei Kandir. O que temos de avanços nessa busca de compensação no caso do Pará?
Dep. Carlos Bordalo: Todo o estudo conduz o seguinte: foi feito um processo de judicialização e o fato é que o Pará não é reparado, não é devolvido o que devem para nós, mesmo com a Lei Kandir. Eu acho até que a Lei Kandir é um dispositivo importante para o equilíbrio da balança comercial brasileira, mas tem que se cumprir o que está nela. Como não há garantia de que vá se cumprir em algum momento, vai ter que ser revisto esse dispositivo da Lei Kandir. Mas eu não sei se hoje a economia brasileira suportaria não ter a Lei Kandir. Então, nós estamos na batalha quanto a isso, agora esta CPI da Vale não vai entrar neste ‘parapé’, porque ela não é federal, não nos cabe. Nós podemos apenas fazer alguma recomendação nessa direção.
Benigna Soares: O senhor é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor e, em tempos de pandemia, o que pode dizer sobre essas duas linhas de garantia de direitos, diante de uma relação conturbada entre pacientes e planos de saúde, por exemplo?
Dep. Carlos Bordalo: Vai ser sempre uma relação de conflito porque a remuneração dos planos de saúde nem sempre também é suficiente para bancar tudo. E com o colapso do setor público, houve uma demanda muito maior para os planos de saúde que alegaram não estar preparados. Isso evidentemente provoca crises e problemas, mas nós estamos atentos. Na comissão, a gente tem apenas o poder mediador, o poder da conversa e o poder da negociação. Temos feito diversas mesas de pactuação, de negociação com vários planos de saúde.
A minha equipe tem reunido com eles, porque tem muita gente séria também nos planos de saúde. É preciso que a gente consiga se associar aqueles que pensam também positivamente. Agora, à medida que não tem disposição para tanto, nós vamos fazer a devida pressão, devida denúncia. O fato é o seguinte, os direitos inalienáveis do ser humano são inegociáveis, devem ser respeitados e nós vamos lutar sempre para que o sejam.
Benigna Soares: Qual a sua avaliação sobre o desempenho do Governo do Estado, em especial a linha de frente adotada contra a pandemia?
Dep. Carlos Bordalo: Eu faço uma avaliação muito positiva do desempenho do governador Helder Barbalho na pandemia. Eu acho que ele foi um governador proativo, vigilante, que imediatamente deslocou recursos para que fossem providenciadas unidades de emergência, com respiradores em todas as regiões do estado, criou-se as policlínicas itinerantes que foram muito importantes. Eu lembro que o período mais agudo da pandemia na capital e que serviu como uma forte defesa para o povo, foi a abertura do Hospital Abelardo Santos, a Policlínica, na Almirante Barroso, e também aquela que circulou de bairro em bairro pra acolher as demandas imediatas da população.
Benigna Soares: O PT se mantém na base aliada do governo para as eleições de 2022 ou deve vir com o candidato próprio? Já é possível opinar sobre esse cenário?
Dep. Carlos Bordalo: Já. O PT já tem uma decisão interna ainda informal, evidentemente, porque isso será formalizada na convenção no início do ano de 2022, mas politicamente continuará associado ao projeto político administrativo liderado no Pará, pelo governador Helder Barbalho. Achamos que não há motivo neste momento para lançarmos uma candidatura própria, nos cabe buscar aperfeiçoamentos do governo Helder e nós vamos apresentar a ele evidentemente um protocolo novo, não é?
Benigna Soares: Que tipo de protocolo seria esse?
Dep. Paulo Bordalo: O protocolo que balizou a relação entre o PT e o MBD no segundo turno das eleições passadas para governador foi muito imediato, feito na hora. Agora não. E um dos elementos, entre outros, que eu inclusive tenho apresentado, é a criação de uma secretaria para a produção familiar no Pará. Nós achamos que há uma lacuna séria das políticas do Estado, porque a SEDAP não é o ambiente institucional adequado para isso. Na nossa avaliação, a modelagem correta é a que o presidente Lula fez criando um ambiente institucional para cuidar da agricultura empresarial, com o Ministério da Agricultura, e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, para cuidar da chamada produção familiar no país. São duas cadeias produtivas importantíssimas, uma para a balança comercial brasileira, a outra da agricultura familiar, que é a que mais gera ocupações, mais gera trabalho, contribui com muitos impostos, mas é muito importante para a vasta região do país. Então nós vamos propor ao governo Helder que ele adote no próximo Governo essa modelagem institucional.
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